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Falsos Profetas, Teologia da Prosperidade e o Mercado da Fé no Brasil: Exegese de 2 Pedro 2:1-3

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EXÓRDIO – O PROFETA MIRIM E A ECONOMIA DAS TROCAS SIMBÓLICAS: UM ALERTA TEOLÓGICO Nos últimos meses, um fenômeno insólito — embora tristemente coerente com os rumos de parte do neopentecostalismo brasileiro — tomou os holofotes das redes sociais e, por extensão, o imaginário religioso nacional: o “profeta mirim”. Um adolescente, portando vestes clericais adaptadas, microfone em punho e retórica performática, passou a circular em igrejas e eventos cristãos, sendo tratado como “voz de Deus”, “porta-voz do Espírito” ou até mesmo “ungido de última geração”. Mais que a curiosidade popular ou o viral momentâneo, a notoriedade do menino se transformou em capital simbólico rentável: comunidades pagaram até 30 mil reais por suas “preleções”, deslocando-o por diversos estados do país, até que intervenções do Conselho Tutelar tentassem conter o avanço desse desserviço teológico e social. Contudo, mais grave que o fenômeno em si é o terreno fértil que o permite. Um solo regado...

Livre Exame das Escrituras: Entre a Autonomia Hermenêutica e os Abusos da Interpretação Bíblica no Brasil

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1. Introdução A Reforma Protestante do século XVI consolidou um princípio que viria a redefinir a relação do fiel com as Escrituras: o livre exame bíblico . Rompendo com o modelo hierárquico da interpretação exclusiva do magistério eclesiástico — predominante na tradição católica romana —, reformadores como Martinho Lutero e João Calvino propuseram que a Palavra de Deus deveria ser acessível a todos os crentes, em sua própria língua, permitindo que cada indivíduo pudesse, com seriedade e formação, examiná-la e interpretá-la. Contudo, é importante reconhecer que esse anseio por uma relação mais direta com os textos sagrados não surgiu de forma abrupta com Lutero. Erasmo de Roterdã , humanista e teólogo do século XV, foi um dos primeiros a defender a necessidade de que as Escrituras estivessem disponíveis em língua vernácula, para que mesmo o "lavrador no campo" pudesse conhecê-las. Ao publicar, em 1516, uma edição crítica do Novo Testamento em grego com...

Princípios Religiosos vs Doutrinas Religiosas: Uma Análise Teológica, Crítica e Sociológica da Fé e do Poder

Princípios Religiosos e Doutrinas Religiosas: Uma Análise Crítica Princípios Religiosos e Doutrinas Religiosas: Uma Análise Crítica Exórdio: A Distinção Necessária Desde as primeiras manifestações humanas no campo da religiosidade, a relação entre a experiência do sagrado e sua organização social tem sido permeada por tensões. De um lado, os princípios religiosos — experiências fundantes de sentido, valores originários de abertura ao mistério — e, de outro, as doutrinas religiosas — codificações normativas que buscam cristalizar essas experiências em sistemas teológicos, morais e jurídicos. É nesse entrelaçamento que surgem conflitos internos às religiões, muitas vezes obscurecendo a força vital da experiência fundadora em nome da manutenção institucional. 1. O Princípio Religioso: A Experiência Fundante Rudolf Otto, em O Sagrado , define o princípio religioso como a resposta humana diante do mysterium tremendum et fascinans — a realidade qu...

Sacerdote, Profeta e Sábio: Como Três Tradições Formaram a Literatura e a Memória Coletiva da Bíblia Hebraica

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Sacerdote, Profeta e Sábio: Uma Tríade Hermenêutica para a Literatura Bíblica do Primeiro Testamento Sacerdote, Profeta e Sábio: Uma Tríade Hermenêutica para a Literatura Bíblica do Primeiro Testamento 1. Exórdio: A Jornada do Camponês e os Ecos da Memória Coletiva Na vastidão do Crescente Fértil, um camponês conduz seu rebanho enquanto reflete sobre a vida. Em seu caminho, encontra três figuras emblemáticas: o sacerdote , o profeta e o sábio . Cada um oferece diferentes formas de interpretar a experiência humana: ordem ritual, clamor por justiça, e reflexão sobre a existência. Este encontro sintetiza a multiplicidade de vozes presentes na literatura que mais tarde será conhecida como Bíblia Hebraica, marcada pela tensão entre distintas maneiras de se articular o sagrado e o poder. 2. A Bíblia Hebraica como Literatura Histórico-Social A chamada Bíblia Hebraica não deve ser compreendida como um documento homogêneo ou como um texto metafisicamente “divino”, ma...

Estudo de Apocalipse 17: Exegese Bíblica, Simbolismo Apocalíptico e Reflexões Teológicas

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Exórdio - Estudo sobre Apocalipse 17 Exórdio A elaboração do presente trabalho foi motivada por eventos recentes que suscitaram um debate teológico intenso e controverso: a morte do papa Francisco. Este episódio, de grande impacto religioso e social, reacendeu uma série de interpretações escatológicas que circulam em ambientes acadêmicos e populares. Estas análises, muitas vezes marcadas por falácias interpretativas e simplificações sensacionalistas, relacionam Apocalipse 17 ao destino da Igreja Católica, apontando para uma alegada conexão entre o capítulo bíblico e o conceito de "o último papa". Tais perspectivas, ainda que amplamente difundidas, contribuem para o desserviço da religiosidade, promovendo leituras distorcidas que comprometem a integridade do texto bíblico e sua função teológica. A identificação do "último papa" como figura central de uma interpretaç...